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NOTA: MANIFESTAÇÃO SOBRE A LEI COMPLEMENTAR Nº 1.040, DE 31 DE JULHO DE 2024

MANIFESTAÇÃO SOBRE A LEI COMPLEMENTAR Nº 1.040, DE 31 DE JULHO DE 2024, que altera a Lei Complementar nº 986, de 30 de junho de 2021, que dispõe sobre a Regularização Fundiária Urbana – Reurb no Distrito Federal, e dá outras providências”.

A referida LC nº 1.041/2024 vem modificar a essência da Estratégia de Regularização Fundiária Urbana do Distrito Federal, conforme definida no PDOT vigente, ao propor:

• a alteração do caput e do § 7º, do artigo 5°, da LC nº 986/2021 (artigo 1º, I, do PL);
• a inclusão do inciso VI ao artigo 9º da LC  nº 986/2021 (artigo 1º, III, do PL);
• a modificação do caput do artigo 10 da LC nº 986/2021 (artigo 1º, IV, do PL);
• a inclusão do inciso V ao artigo 12 da LC nº 986/2021 (artigo 1º, VI, do PL);
• a inclusão do § 4º ao artigo 15 da LC 986/2021 (artigo 1º, VIII, do PL);e,
• a supressão do inciso I do artigo 10 da LC  nº986/2021 (artigo 3º, do PL).

Conforme será exposto, manifestamos nossa preocupação com o atual descontrole na ocupação do território do Distrito Federal, combinada com as alterações que o PDOT em vigor vem sofrendo por meio da aprovação de leis complementares, aprovadas nos últimos anos, que ampliam as possibilidades de fragilização do referido plano, entre as quais a LC nº 951/2019, a LC nº 986/2021, a LC nº 1016/2022 e a LC nº 1.041/2024. Referidas Leis impactam o planejamento e ocasionam prejuízos urbanísticos e ambientais relevantes, com destaque para a Lei em epígrafe que rompe o vínculo histórico das áreas de REURB estarem sempre assim declaradas no PDOT como ARIS ( área de regularização de interesse social ou ARINE (área de regularização de interesse específico).

Esclarecemos, ainda, que a alteração em pauta se deu sem a divulgação de estudos técnicos, sem a promoção de audiência pública, e, tampouco, a aprovação do Conselho de Planejamento Urbano do Distrito Federal, Conplan, desrespeitando o artigo 182, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal; o artigo 40, § 4º, I, da Lei Federal nº 10.257/2021, Estatuto da Cidade; os artigos 163, 317, 320 e 321 da Lei Orgânica do Distrito Federal; o artigo 219, II, da Lei Complementar nº 803/2009; e os artigos 1º, I, 3º e 4º, da Lei Distrital nº 5.081/2013. Sobretudo, a promulgação desta Lei desconsidera o processo de revisão do PDOT vigente, em andamento na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal (SEDUH), desde 2019.

Contexto Legal

 

O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) define em seu Art. 2º que a política urbana deve garantir a participação da população na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

A Lei nº 13.465/2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, estabelece mecanismos para a Regularização Fundiária Urbana (Reurb) e garante a participação ativa da população e de diversas entidades na solicitação e condução do processo.

O Parágrafo único do Art. 56, da Lei Orgânica do Distrito Federal, prevê a possibilidade de o executivo enviar projeto de lei complementar específica para alteração dos índices urbanísticos, alteração de uso e desafetação de área, da Lei de Uso e Ocupação do Solo, motivadas por situação de relevante interesse público, desde que precedido de participação popular e estudos técnicos que avaliem o impacto das alterações propostas.

A Lei Complementar nº 803, de 25 de abril de 2009, que aprova a revisão do PDOT do Distrito Federal, estabelece diretrizes para o desenvolvimento urbano e ordenamento territorial, estabelecendo no Art. 7º,VIII, a “participação da sociedade no planejamento, gestão e controle do território”.

A Lei nº 5.081, de 11 de março de 2013, que disciplina os procedimentos para a realização de audiências públicas relativas à apreciação de matérias urbanísticas e ambientais no Distrito Federal, assegura a participação popular e a transparência nas decisões que afetam o ordenamento territorial e o meio ambiente. A lei estabelece normas para a realização de audiências públicas nos casos de elaboração, alteração e revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), dos Planos de Desenvolvimento Local, e outras matérias urbanísticas e ambientais.

A alteração da Lei que altera o PDOT-DF, sem observância do processo participativo, fere também o disposto no Art. 40 e parágrafos do Estatuto da Cidade, uma vez que desconsidera que a estratégia de regularização fundiária das áreas de REUR-E e REURB-S estão inseridas no Plano Diretor vigente e as alterações propostas pelo Governo e aprovadas pela CLDF, sem consulta pública, sem promoção de audiência pública, sem qualquer debate público, desqualifica o processo participativo estabelecido no processo de revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do (PDOT -DF), uma vez que não respeita todo o processo participativo em andamento neste processo de revisão.

Lei Complementar nº 1.040, de 31 de julho de 2024

 

1. Fragmentação do Planejamento Urbano

A Lei Complementar nº 1.040/2024 desconsidera o zoneamento estabelecido pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), representa uma fragmentação do planejamento urbano e enfraquece o Plano Diretor, que deve ser o principal instrumento de gestão e ordenamento territorial. Ignorar o zoneamento definido pelo PDOT compromete a coerência e a integração das políticas urbanas, permitindo desenvolvimentos desordenados e potencialmente prejudiciais ao meio ambiente e à qualidade de vida da população. Este desrespeito ao zoneamento pode fortalecer a ocupação desordenada e descontrolada, sobrecarregar a infraestrutura existente e promover infraestrutura inadequada, agravando problemas sociais e ambientais nas áreas urbanas.

Recomendação: Garantir que todas as ações de regularização fundiária estejam plenamente alinhadas com o zoneamento estabelecido pelo PDOT, por ser essencial que o zoneamento em vigor seja respeitado e integrado como um componente fundamental nos processos de Reurb, assegurando a coesão e a sustentabilidade do planejamento urbano; criar mecanismos de monitoramento e fiscalização que garantam a conformidade das regularizações com o zoneamento previsto, fortalecendo o PDOT como o instrumento maior de planejamento urbano e promovendo um desenvolvimento territorial equilibrado e sustentável.

2. Participação Pública e Transparência

A Lei Complementar nº 1.040/2024 não prescindiu a realização de audiências públicas nem estabeleceu a exigência de participação social nos processos de regularização fundiária, conforme estabelecido pela Lei nº 5.081/2013.

Recomendação: Realizar audiência pública para avaliação e debate do texto final proposto; incluir dispositivo que assegure a realização de audiências públicas em todas as etapas significativas do processo de regularização fundiária, garantindo a transparência e a participação da comunidade envolvida.

3. Parâmetros Urbanísticos (Art. 5º, § 7º e 9º e Art. 9º, VI )

As alterações propostas nos parâmetros urbanísticos – aplicáveis às áreas de Reurb tanto urbanas quanto rurais e de interesse específico e de interesse social – podem resultar em flexibilidade excessiva, fragmentando e comprometendo o planejamento urbano.

Recomendação: Definir as diretrizes de acordo com o Plano Diretor, respeitando os seus parâmetros urbanístico, de acordo com o planejamento territorial existente, promovendo a sustentabilidade urbana; discutir separadamente os critérios e diretrizes para áreas urbanas e rurais, bem como para regularização fundiária de interesse social e de interesse específico.

4. Retirada de Legitimidade da População para Requerer a Reurb (Art. 7 § 5º)

O Art. 14 da Lei nº 13.465/2017 define que são legitimados para requerer a Reurb: a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios, as associações de moradores, as cooperativas habitacionais, os beneficiários individuais ou coletivos, entre outros. O projeto de alteração do Art. 7º da Lei Complementar nº 1.040/2024 inclui o § 5º, restringindo a legitimidade para requerer a Reurb, dos núcleos urbanos informais situados em área de propriedade pública: aos entes públicos, à Defensoria Pública e ao Ministério Público, retirando a legitimidade das: associações de moradores, cooperativas habitacionais e os próprios beneficiários individuais ou coletivos de requererem a Regularização Fundiária das áreas por eles ocupadas, conforme legislação aplicada à matéria.

Recomendação: Manter a legitimidade das associações de moradores, cooperativas habitacionais e beneficiários individuais ou coletivos, em conformidade com os princípios de participação popular e gestão democrática, bem como de acordo com o Art. 14 da Lei nº 13.465/2017.

5. Regularização de Núcleos Urbanos Informais (Art. 9 e Art. 12)

A regularização de núcleos urbanos informais existentes antes de 2 de julho de 2021, sem uma avaliação adequada dos impactos ambientais e urbanísticos, pode legitimar ocupações irregulares e em áreas ambientalmente sensíveis e incentivar a continuidade de ocupações e novas grilagens de terras localizadas no Distrito Federal. A alteração do marco temporal constante na Lei nº 1.040/2024, promove insegurança jurídica e, ao invés de estabelecer data como marco das ocupações a serem regularizadas, fere o PDOT vigente que estabelece que todas as áreas de REURB devem estar elencadas na estratégia de Regularização Fundiária do PDOT.

Recomendação: Exigir a realização de estudos de impacto ambiental e urbanísticos detalhados antes de definir quais áreas serão passíveis de REURB, assegurando que as áreas passíveis de regularização estejam em conformidade com as diretrizes de desenvolvimento sustentável e sejam inseridas na estratégia de regularização do PDOT.

6. Custeio de Infraestrutura (Art. 14 e Art. 15)

As disposições relativas ao custeio da infraestrutura essencial na Lei Complementar nº 1.040/2024 podem impor encargos significativos ao poder público, sem garantias adequadas de ressarcimento, o que pode comprometer a viabilidade financeira e a sustentabilidade das ações de regularização fundiária, especialmente considerando que o Estado já enfrenta dificuldades financeiras para arcar com os custos da Reurb-S (Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social). Esse ponto fere a Lei nº 13.465/2017, que nos Art. 33 e 37 destaca que cabe ao poder público competente “implementar a infraestrutura essencial, os equipamentos comunitários e as melhorias habitacionais […] assim como arcar com os ônus de sua manutenção”.

Recomendação: Priorizar a alocação de recursos públicos para a Reurb-S, garantindo que os fundos disponíveis sejam direcionados primeiramente para atender às necessidades das populações mais vulneráveis e de menor renda, que são o foco principal dessa modalidade de regularização. Instituir mecanismos por meio de contribuições de melhoria ou outras formas de ressarcimento proporcional ao benefício recebido, que sejam convertidos em melhorias em áreas de Interesse Social. Criar fundos específicos para a regularização fundiária, alimentados por recursos provenientes de taxas, multas, contribuições de melhoria e parcerias com o setor privado.

Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.