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Defensoria Pública e o direito à cidade: instituição eleva sua atuação urbana

Com casos inéditos em SP e na Bahia, DP reverte casos de reintegração de posse e marca presença em políticas urbanas

Por Saulo Tafarelo

A Defensoria Pública tem atuado com cada vez mais afinco nas políticas urbanas Brasil afora. Fato é que, recentemente, São Paulo e Bahia abriram precedentes em casos relacionados à terra e à moradia.

No último dia 13 de fevereiro, o 11° grupo de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo rescindiu um acórdão que determinava a reintegração de posse à EMAE (Empresa de Águas e Energia) numa área da extrema zona sul da cidade. Localizada na Vila Sucupira, no Grajaú, a área abriga aproximadamente 5 mil pessoas, segundo dados extra oficiais utilizados para ajuizar a ação. A DPE-SP, por meio de fato novo, teve conhecimento legal de que área é grafada como uma Zona Especial de Interesse Social  (ZEIS) e que, portanto, a população não pode ser retirada do local, de acordo com a Lei 16.402/16 e o atual Plano Diretor de São Paulo.

 

 (Altura do número 3000 na Avenida Belmira Marin: área em disputa)

 

O litígio contra a reintegração de posse foi levado até o STF e o STJ para tentar reverter o julgamento, até o momento em que não cabia mais recurso. A partir deste ponto, o defensor público Douglas Tadashi, que ajuizou a ação, começou a pensar em alternativas jurídicas para tentar salvaguardar o direito à moradia das pessoas. “A primeira coisa que fui tentar diligenciar é se a área era de ZEIS ou não. Porque até então, no processo de reintegração, isso não tinha sido levantado.”

A partir de documentos da própria prefeitura descobriu-se que a área tornou-se ZEIS em 2014, e assim, a Defensoria levou a ação rescisória para o poder Judiciário apreciar como uma tese até então sem precedentes, o que foi considerado de forma acertada pelo TJ-SP. “No Tribunal de Justiça de São Paulo, foi a primeira vez que eles acolheram essa tese. É uma ação inovadora pois reconhece que o cumprimento da função social da propriedade urbana em área de ZEIS-1 é vinculado obrigatoriamente à regularização fundiária e urbanística dessa ocupação”, sustenta Tadashi.

O caso da disputa da reintegração de posse da Vila Sucupira, em São Paulo, chama a atenção por trazer elementos e decisões inéditas nas esferas privadas e públicas. “A decisão no TJ-SP em relação à impossibilidade de se fazer uma reintegração de posse quando a área ocupada está gravada como ZEIS demonstra uma sensibilização do poder judiciário em temas de direito público ao julgar causas que outrora eram analisadas apenas na perspectiva do direito privado, dando esse olhar de direito público. Se isso está acontecendo, mais isso tem a ver com a atuação da Defensoria e isso é de suma importância”, afirma Betânia Alfonsin, diretora geral do IBDU.

Caso a reintegração de posse fosse concretizada, “muito provavelmente todos iriam para a rua”, diz o defensor público Douglas Tadashi. Com 10 anos de atuação na Defensoria Pública de do Estado de SP, Tadashi enxerga a decisão como esperançosa, pois acaba abrindo precedentes para que casos similares tenham desfechos positivos.

Stacy Torres, do Conselho Consultivo da Ouvidoria da DPE de São Paulo, destaca que a atuação das Defensorias Públicas não está restrita a casos particulares e suas iniciativas coletivas impactam a vida de todos os habitantes da cidade. ”Ao garantir acesso à justiça para população vulnerável, ela [a Defensoria] promove inevitavelmente o direito à cidade. Sua atuação é ampla e dependendo do estado há uma forte articulação com a sociedade civil e movimentos populares.” Além de São Paulo, a DPE de Minas Gerais está desempenhando um papel fundamental na defesa dos atingidos das barragens em Mariana e, mais recentemente, em Brumadinho. Além disso, a Defensoria Pública da Bahia voltou suas atenções à um caso em Salvador.

Cerca de três defensores públicos formam um núcleo que atua no caso da Vila Coração de Maria, uma vila operária no Largo Dois de Julho, em Salvador. Aproximadamente sete famílias moram na área há décadas, as quais tem visto seu direito à moradia ameaçado por interesses econômicos. Bethânia Ferreira, defensora pública atuante no caso, explica que o processo não constitui uma ação rescisória como no caso da Vila Sucupira, em São Paulo, mas que ainda tramita nas instâncias jurídicas para um desfecho.

“A Defensoria tem essa missão de defender os direitos humanos e os direitos difusos e coletivos dos vulneráveis. No entanto, é recente que as mais diversas Defensorias pelo Brasil foram se estruturando, e depende do peso que cada uma consegue ter em seus estados para investir e se fortalecer”, afirma Stacy. Assim, quanto maior o orçamento, maior será a capacidade de ampliar sua atuação e defender o direito à cidade. O defensor público Douglas Tadashi reforça que a atuação da Defensoria na questão urbana é importante para reverter as desigualdades que estão sendo deliberadamente tomadas por opções políticas que se refletem na cidade. “O papel da DP é no sentido de proteção da remoção dos direitos humanos aos mais pobres, em especial para conter um pouco esse processo de aumento da desigualdade sócio-espacial. Uma das formas de tentarmos conter esse processo de desigualdade é trabalhando para evitar remoções e despejos forçados de territórios populares.”

No âmbito do direito à cidade, o IBDU destaca o papel cumprido pela Defensoria Pública, nas palavras da diretora geral Betânia Alfonsin: “O IBDU é uma instituição que defende a democracia, os direitos humanos, o direito à cidade, e tem, com muita alegria, observado a atuação da Defensoria Pública no Brasil em atenção na defesa e na promoção do direito à moradia no país.”

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