*Por João Bazzoli
O Plano Diretor Urbano (PDU) é um instrumento básico de política urbana que define as normas fundamentais de ordenamento e as diretrizes para o desenvolvimento da cidade. A formulação do documento é uma oportunidade para constituir um processo de fortalecimento dos municípios. Infelizmente, as experiências locais de elaboração e revisão dos planos têm demonstrado tendências autoritárias, tecnicistas e elitistas. Palmas, capital do Tocantins, é um exemplo deste infortúnio.
O PDU deve ter como orientação básica os princípios estabelecidos pelo Estatuto da Cidade e precisa ser aprovado pela Câmara Municipal e revisado a cada dez anos. Todos os municípios com mais de 20 mil habitantes devem elaborar um Plano Diretor e garantir um processo de discussão coletiva, com ampla participação popular, capaz de promover um pacto em torno de propostas que representem os anseios da sociedade. O processo demanda que o Poder Executivo local capacite a comunidade para o debate de proposições e organize audiências públicas em um formato que favoreça o debate.
Contrariando estas diretrizes, a Prefeitura de Palmas instalou o processo de revisão do Plano Diretor, em agosto de 2015 (Decreto de nº 1.089), e previu a realização de apenas três audiências públicas em um prazo de conclusão de cinco meses. Entidades locais ligadas ao urbanismo e ao direito à cidade, movimentos sociais e grupos de pesquisa e extensão de Universidades consideraram a medida arbitrária já que a dinâmica reduziria o acesso da população e faria com que prevalecessem as propostas formuladas pela própria administração. As críticas iniciais foram confirmadas durante o andamento das reuniões que tiveram longas palestras dos técnicos da gestão municipal e um tempo reduzido para as intervenções da comunidade. Além disso, grande parte das sugestões recolhidas foram ignoradas e não houve qualquer esclarecimento sobre as razões para o baixo aproveitamento dessas propostas.
Vários segmentos se mobilizaram para alertar a administração municipal sobre a necessidade de obedecer um dos princípios básicos do Estatuto da Cidade que é a garantia da ampla participação popular. Neste movimento, destaca-se a atuação do Coletivo Palmas Participa que realizou reuniões temáticas, eventos e denúncias públicas com objetivo de apontar as falhas do processo. Estas ações resultaram em cartas abertas à sociedade pontuando os equívocos na condução da revisão e também em um documento que solicitou a imediata suspensão dos trabalhos para adequação e regularização do processo. Cabe salientar que as críticas também foram propositivas e apresentaram contribuições metodológicas importantes à revisão que estava em curso.
A intransigência do executivo em seguir as orientações legais resultou em recomendações e no ajuizamento de uma Ação Civil Pública em que o Ministério Público Estadual questionou as limitações da participação popular na revisão do PDU. A mobilização conseguiu interferir no andamento e a administração municipal protelou a data de conclusão da revisão para abril de 2018.
Mesmo com o adiamento, a Lei Complementar nº 400/2018 que consolida a revisão do plano foi aprovada sem avanços em relação às reivindicações da sociedade. A participação popular não foi assegurada e as propostas de interesse social apresentadas nas poucas reuniões realizadas não foram incluídas na lei. Outra lacuna evidente no texto aprovado é a falta de uma visão metropolitana que possibilite considerar as decisões internas dosmunicípios do entorno de Palmas. Novamente, a existência do Distrito de Luzimangues, no município de Porto Nacional, foi ignorada. No local, já ocorre uma grande expansão urbana com consequências importantes para a capital.
Dessa forma, a revisão do Plano Diretor de Palmas constituiu um processo que pode ser definido como um malabarismo semântico cheio de explicações contraditórias. O resultado coincide com um aumento significativo do tecido urbano da cidade e com a criação de uma expressiva área de expansão, sem que existam estudos sobre a densidade e a ocupação destes espaços. A situação fere os princípios e objetivos do próprio Plano Diretor e a vontade expressa da população da cidade.
O desrespeito à participação popular que marcou a revisão do Plano Diretor de Palmas pode acarretar grave insegurança na sua aplicação. A lei foi aprovada e sancionada e, em um futuro próximo, pode provocar alterações econômicas e sociais negativas relevantes ao conjunto dos cidadãos. A capital apresenta problemas fundiários semelhantes aos da maioria das cidades brasileiras como urbanização periférica e excludente; atuação do mercado imobiliário especulativo; valorização da propriedade privada; carência de produção de moradia popular e segregação socioespacial da população de baixa renda. Infelizmente, a oportunidade oferecida pela revisão do PDU, para entender e reavaliar estas questões e produzir uma melhoria na qualidade de vida da população, foi perdida.
*João Bazzoli é advogado, coordenador da Regional Norte do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico. Professor na Universidade Federal do Tocantins do Curso de Direito. Docente permanente do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional. Pós-doutor pela Universidade de Lisboa. Especialista em Direito Urbanístico. Pesquisador de temas urbanos com publicações sobre o assunto.
Texto publicado originalmente no Justificando na coluna Questões Urbanas, uma parceria entre IBDU e BrCidades.