Como já apontado em diversas outras análises, a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República, em 2018, representou uma inflexão conservadora de grandes proporções, atingindo diversos campos e setores da sociedade brasileira.
Nesse contexto, as políticas urbanas sofreram sérios e graves retrocessos, com fortes impactos sociais sobre as cidades brasileiras. Estamos diante da desconstrução do direito à cidade, expressa no desmonte de conquistas sociais alcançadas ao longo das últimas décadas, no avanço da intolerância e da violação dos direitos humanos e sociais, e nos retrocessos no campo da democracia e da participação social nas políticas públicas.
A inflexão conservadora pode ser entendida como uma mudança de rumo, marcada pelo abandono das políticas redistributivas, pelos retrocessos na transparência e monitoramento das informações em torno das ações governamentais, pelo fechamento dos espaços de participação democrática, e pelo enfraquecimento das esferas públicas. Simultaneamente, percebe-se a adoção de políticas subordinadas ao mercado e fundadas na austeridade fiscal. A política de austeridade impacta diretamente as políticas urbanas, tendo em vista o corte de recursos destinados às cidades para promoção de políticas de habitação, saneamento, mobilidade, programas sociais e de combate à desigualdade de renda, entre outros. Mas a política de austeridade fiscal é apenas um lado desta inflexão conservadora. O caráter conservador também se expressa nos discursos de intolerância, na política cultural, nas políticas repressivas e na crescente militarização das cidades, tanto por parte da política de segurança quanto dos grupos paramilitares, em especial das milícias.
O objetivo deste Dossiê é traçar um panorama abrangente das políticas urbanas, identificando os impactos da inflexão conservadora sobre as cidades, com foco sobre a violação dos direitos humanos e sociais e o cumprimento dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
É realmente estarrecedor perceber os retrocessos em toda sua profundidade, concretamente identificados em todos os campos abordados nesse dossiê, envolvendo a participação social, a habitação, a regularização fundiária, o saneamento básico, a mobilidade, as desigualdades sociais e a pobreza, a cultura, gênero e raça, e a política de segurança pública.
Como poderá ser observado, a análise das políticas setoriais abordadas neste dossiê revela um certo padrão de intervenção do governo Bolsonaro, que expressa a inflexão conservadora na política urbana federal e pode ser caracterizado pelos seguintes elementos:
- Descontinuidade na implementação das políticas urbanas anteriormente em curso;
- Proposição de novas regulações claramente pró-mercado, marcadamente conservadoras e restritivas de direitos sociais;
- Cortes nos investimentos anteriormente em curso, aprofundando a política de austeridade econômica adotada pelo Governo Federal;
- Fechamento dos espaços de participação e controle social, no qual se destaca o fim do conselho das cidades;
- O não cumprimento de compromissos e pactos nacionais e internacionais relacionados aos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.
O dossiê revela diversas violações de direitos humanos e sociais, que estão sistematizadas no primeiro capítulo, “As Violações de Direitos Humanos na Perspectiva dos Pactos Internacionais, da nova agenda urbana e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, e detalhadas nos demais capítulos que tratam das políticas setoriais.
Fórum Nacional de Reforma Urbana – FNRU
Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU
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