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Assembleia Legislativa de Pernambuco sanciona lei do Despejo Zero

Assembleia Legislativa de Pernambuco sanciona lei do Despejo Zero

Por Antônio Celestino

Foi sancionada a Lei do Despejo Zero em Pernambuco (Lei nº 17.400/2021). Protocolada em março de 2020 pelas Juntas Codeputadas (PSOL), deriva do acúmulo de um ano e meio da articulação e resistência dos movimentos sociais, coletivos, comunidades e territórios pernambucanos. A norma, que na espécie proíbe todas as naturezas jurídicas e administrativas de despejos e remoções durante o estado de calamidade pública provocado pela pandemia de Covid-19, foi sancionada na última segunda-feira pela Assembleia Legislativa de Pernambuco. O até então PL nº 1.010 aguardava desde agosto pela ratificação pelo governador Paulo Câmara (PSB) que, no entanto, optou por não se posicionar sobre a sanção ou veto ao projeto, cabendo então a própria ALEPE a sanção, publicada em 20 de setembro no Diário Oficial.

No Brasil, o índice de letalidade da Covid-19 é cinco vezes maior para a população negra. As precárias condições socioeconômicas, de habitação e de acesso à infraestrutura ampliam a vulnerabilidade socioespacial de contaminação, o que demanda medidas específicas para as diferentes porções do território. As mais de 591 mil mortes decorrentes do coronavírus, das quais mais de 19 mil vidas eram pernambucanas, expõem as entranhas da desigualdade histórica que produziu as cidades brasileiras. Neste contexto, a necropolítica, entendida como o poder sobre a vida e a morte dos corpos negros, encontra comprovação cabalística na condução da pandemia pelo executivo federal. Tendo sido, inclusive, vetado pela Presidência da República, o PL federal nº 872/20 com a finalidade de suspensão dos despejos em todo o país.

Até 17 de agosto de 2021, já se detinha o elevado número de 1.325 famílias despejadas e a monta assustadora de 9.299 famílias ameaçadas de remoção no estado de Pernambuco (terceira pior marca do país em ameaças de despejo). Tudo num contexto de uma agenda de desmonte das políticas públicas nacionais de promoção habitacional, que incluem: desmonte do Sistema Nacional de Cidades; esvaziamento do ciclo de Conferências das Cidades; e corte de recursos para Habitação de Interesse Social, urbanização de favelas e regularização fundiária.

A Região Metropolitana do Recife está entre as mais vulneráveis do País, enquanto que a capital recifense está dentre as duas cidades mais desiguais de todo o Brasil. Mais de 20% dos pernambucanos estão desocupados (pior colocação do Brasil) num estado que ainda em 2019, entre as pessoas com até três salários mínimos, apresentava o número de 324.971 mil unidades de déficit habitacional, entendido como a soma de casas consideradas de habitação precária (moradias improvisadas ou rústicas); em coabitação (casa de um só cômodo ou onde vive mais de uma família); em adensamento excessivo (cômodos cedidos ou alugados); ou em ônus excessivo de aluguel

88% das famílias que compõem o referido déficit habitacional tem renda familiar de até três salários mínimos, precisamente os trabalhadores de menor renda mais atingidos com as consequências da Covid-19, sofrendo com o rebaixamento salarial e a perda de emprego, situação especialmente pior entre mulheres, negros e jovens. Como de costume, o poder público, que tem o dever constitucional de garantir a função social da propriedade e a moradia de qualidade a cada um de nós, nada ou pouco faz. 

Antes da pandemia de Covid-19, no estado de Pernambuco, dentro do âmbito da região metropolitana da capital recifense, era da Articulação Recife de Luta (ARL) o principal papel de vetorização e sinergia entre organizações da sociedade civil em face da pauta dos conflitos fundiários e das ameaças de despejos e remoções. Aliás, desde levantamento capitaneado pela Habitat para Humanidade Brasil, junto a organizações, movimentos e atores estratégicos, entre os anos de 2016 e 2018, nascia a publicação “TERRA E MORADIA: Conflitos fundiários urbanos em Pernambuco”, já apresentando a importância dos dados de mapeio para a construção de alternativas aos conflitos.

Já em abril de 2020, o Plano de Resposta da ONU- HABITAT à Covid-19 apontava que a pandemia atingia mais de 1.430 cidades em 210 países, sendo 95% dos casos nos centros urbanos. Segundo o documento, o impacto da crise seria mais devastador nas áreas pobres e adensadas dos centros urbanos, em especial para as favelas e assentamentos informais, consequência de um século XXI em que uma maioria precarizada conhece do capital globalizado apenas seus efeitos perniciosos: são 2,4 bilhões de pessoas com limitações de acesso à água e saneamento e 1 bilhão de pessoas reduzidas à vida em assentamentos adensados e de conformação inadequada. 

Na América Latina, o quadro se mostrava ainda mais desafiador no enfrentamento da Covid-19, incluindo o desigual acesso ao serviço de saúde, além do severo impacto econômico derivado do declínio do comércio, indústria e turismo, resultando num aumento do desemprego e redução do salário. A partir dessa perspectiva, a Resolução nº. 1 da Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH expressava, em abril de 2020, que as medidas de enfrentamento e contenção à pandemia deveriam ter por centralidade os direitos humanos, em especial, os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais dos mais vulneráveis.

A chegada assustadora da pandemia demarcou no Brasil a urgência de uma coalizão nacional: a Campanha Despejo Zero, uma iniciativa composta por diversas entidades nacionais, com apoio internacional, lançou-se na centralidade da suspensão dos despejos ou das remoções no país, sejam elas fruto da iniciativa privada ou pública, respaldada em decisão judicial ou administrativa, que tenha como finalidade desabrigar famílias e comunidades, urbanas ou rurais. Trata-se de campanha permanente, de construção coletiva e aberta a toda sociedade, sobretudo aos movimentos sociais e populares comprometidos com a defesa dos direitos humanos, direito à cidade e aos territórios.

Em Pernambuco, a Despejo Zero se organizou precisamente a partir das bases da Articulação Recife de Luta, sendo, em setembro de 2021, a principal iniciativa contra despejos e remoções no Estado. Antes da decisão liminar do Ministro Barroso nos autos da ADPF 828 e da Recomendação nº 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cominarem linhas nacionais demarcatórias aos despejos e remoções coletivas em função da grave crise sanitária, fruto da incidência no estado, é editada a Recomendação nº 2 de TJPE, apenas a segunda do Brasil nesse sentido, orientando aos magistrados que se abstivessem de promover despejos e remoções, individuais ou coletivas, durante o período excepcional da pandemia de Covid-19.

No tocante às iniciativas legislativas, além da agora Lei Despejo Zero Pernambuco, há PLs municipais contra despejos nas Câmaras Municipais de Recife, Olinda, Paulista e Garanhuns. O núcleo da Despejo Zero em Pernambuco, assim, contando hoje com aporte e colaboração dos mais diversos atores estratégicos:

    1. Articulação Recife de Luta – ARL; Instituto Brasileito de Direito Urbanístico-IBDU; Instituto de Arquitetos do Brasil em pernambuco IAB-PE; Observatório Popular de Direitos Humanos de Pernambuco – OPDH; Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares; Fórum de Mulheres de Pernambuco; Habitat para Humanidade Brasil; Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional;  Centro Popular de Direitos Humanos – CPDH; Cooperativa de Arquitetura e Urbanismo Social-CAUS SOS CORPO Instituto Feminista para a Democracia; Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social – Cendhec;
    2. CMP – Central de Movimentos Populares-CMP/PE;  Confederação Nacional de Moradores – CONAM; Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB; Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM; Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos – MTD; Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST Brasil; Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST na Luta Pela Reforma Urbana; União Nacional por Moradia Popular; Movimento de Luta e Resistência pelo Teto – MLRT; Frente Popular por Moradia no Centro;
    3. Núcleos de Habitação e Moradia e de Direitos Humanos da da Defensoria Pública de Pernambuco-DPPE; Defensoria Regional de Direitos Humanos da DRDH/DPU/PE; Comissão de Direitos Humanos-TJPE; Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco-ALEPE; Comissões de Advocacia Popular, de Direito Urbanístico e de Direitos Humanos da OAB/PE; Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife e Cúria da Arquidiocese de Olinda e Recife;

O Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), na defesa dos direitos humanos e fortalecimento da assessoria técnica aos movimentos sociais na luta pelo direito à cidade, constrói a iniciativa da Campanha Nacional Despejo Zero desde seu início, fortalecendo, aliás, em especial a atuação dos núcleos estaduais da Despejo Zero no estados da Bahia, Ceará e Pernambuco a partir do projeto institucional Rede Nordeste de Monitoramento e Incidência em Conflitos Fundiários Urbanos, que, em Pernambuco, nas ações de incidência pela sanção da lei Despejo Zero pressionou pelo veto de parecer do Conselho Pleno da OAB-PE que pugnava pela inconstitucionalidade da hoje Lei nº 17.400/2021.

Muito se problematiza acerca das iniciativas de proibição dos despejos e remoções, sem se perceber, porém, que aqueles a que são negadas as possibilidades de moradia garantem através das ocupações o cumprimento do ordenamento jurídico, dando a uma propriedade inutilizada sua devida função social. O IBDU, por sua Rede Nordeste de Incidência e Monitoramento em Conflitos Fundiários, reforça, assim, a centralidade do cumprimento dos ditames do direito à cidade e à moradia adequada, sublinhando que é do direito à cidade o efetivo potencial para prevenir ou potencializar soluções da conjuntura experimentada pelo Brasil.

Em que pese chegue já numa leitura de quadro político de que sua vigência não ultrapasse o mês de Dezembro (quando findo o Decreto Estadual que instituiu o estado  de calamidade pública provocado pela pandemia de Covid-19 ), é inconteste que a sanção da Lei do Despejo Zero em Pernambuco demarca passo relevante na proteção às famílias hipervulnerabilizadas, mas é fundamental, para além da proibição dos despejos no contexto da pandemia, a imediata efetivação no estado de Pernambuco de políticas habitacionais de interesse social como saída estratégica para enfrentamento às mazelas sociais acentuadas pela crise gestada pela Covid-19.

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Antônio Celestino é pesquisador da Rede Nordeste de Monitoramento e Incidência em Conflitos Fundiários Urbanos do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU). Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro das Comissões de Advocacia Popular, Direitos Humanos e Direito Urbanístico da OAB/PE. Advogado Popular com ênfase em Direitos Humanos e Direito à Cidade . É membro da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap).